O que o pobre amador tem de passar para correr em Boston – 22/09/2025 – No Corre

O que o pobre amador tem de passar para correr em Boston – 22/09/2025 – No Corre


Um tenista profissional que não ambicione jogar ao menos um Grand Slam na vida, das duas uma: ou se trata de uma improbabilidade estatística ou de alguém bastante consciente das próprias limitações.

Transposta a figura acima para o cenário da corrida amadora, chega-se ao maratonista razoavelmente veloz e com alguma capacidade financeira que jamais aspirou a alinhar para os 42,2 km de Boston.

Um inapetente desses está para nascer.

Boston é o suprassumo do fetichismo. Se o fetiche do homem entrado em anos é correr uma maratona, Boston é a corrida em que ele efetivamente se lambuza no melado, o lugar em que o sujeito chega ao pórtico de largada trajado de vinil dos pés à cabeça.

Trata-se, como se sabe, da mais tradicional maratona do mundo, 129 edições realizadas e uma versão virtual quando o vírus SARS-CoV-2 barbarizava.

Um bom amigo da coluna, Tadeu Guglielmi, 60, é outro a nutrir certa obsessão pela prova, embora chame seu sentimento obsessivo de forma distinta: “Não se trata de obsessão, mas de necessidade de cumprir o projeto. Boston está no regulamento”.

“Regulamento” e “projeto” são vocábulos atinentes à missão que ele decidiu perseguir na segunda metade de sua vida: a de correr cem maratonas, todas em locais icônicos, seja pela beleza do cenário, seja pelo nível de fetichização da prova. No primeiro caso, Ilha de Páscoa, Banff e Jungfrau; no segundo, Nova York, Berlim e Uberlândia.

Tadeu já “ticou” 87 provas, mas Boston segue, como diria o Avallone, uma interrogação. Não basta pagar a inscrição, é necessário atender a um critério de elegibilidade, ou seja, conseguir um tempo mínimo de conclusão de outra maratona. O tempo varia com a idade.

Mas para Boston a demanda costuma ser maior do que a oferta, e mesmo atender o critério de elegibilidade pode ser insuficiente.

Tadeu vem tentando uma espécie de atalho: há anos corre provas de “downhill”, com descidas e áreas planas, que cobram seu preço em dor muscular, mas supostamente são mais rápidas.

Já correu as estadunidenses Big Cottonwood e a St. George, ambas em Utah; Monte Charleston, em Nevada; Mendoza, na Argentina; Granada, na Espanha; sua 86ª e penúltima mara foi igualmente com altimetria favorável, a Tunnel Vision Marathon, nas cercanias de Seattle.

Embora tenha completado essa prova em 3h47min09, quase três minutos abaixo do tempo de corte de Boston para sua idade, está pessimista, pois crê que a demanda novamente suplante a oferta ––33.267 inscritos para um número de vagas ainda não divulgado. No ano passado em Boston foram 31.670.

Se o pessimismo de Tadeu se justificar, ele terá razões para ficar ainda mais cabreiro. A inscrição para a edição de 2027, que já começou, impõe uma dificuldade adicional para quem se serve do atalho do “downhill”.

Agora provas que tenham de 457,2 a 914 metros de descidas implicam pedágio de cinco minutos no tempo final; daí até 1.828 metros, dez minutos a mais; acima disso, a tigrada lá já nem considera.

Ao menos Tadeu pode ter o consolo de ter conquistado há dias, na Tunnel, o terceiro melhor tempo de suas quase noventa maratonas. “Com os sucessivos fracassos, fui mudando alimentação, academia, treinos, volume. E, com isso, depois de 20 anos, estou mantendo um bom ritmo.”


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Fonte: Uol

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