Cid diz que não delatou Braga Netto por estar ‘em choque’ – 24/06/2025 – Poder

Cid diz que não delatou Braga Netto por estar ‘em choque’ – 24/06/2025 – Poder


O tenente-coronel Mauro Cid afirmou que demorou a delatar a suposta entrega de dinheiro do ex-ministro Walter Braga Netto à Polícia Federal porque estava “em choque” com a prisão de seus amigos militares acusados de planejar o assassinato do ministro Alexandre de Moraes.

A declaração está na ata produzida pelo STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a acareação realizada nesta terça-feira (24) entre Cid e Braga Netto. Em pouco mais de uma hora e meia de audiência, os dois mantiveram suas versões sobre a suposta participação do general da reserva na trama golpista de 2022.

Igualmente colocados frente a frente nesta terça, o réu e ex-ministro da Justiça Anderson Torres e o ex-chefe do Exército Marco Antônio Freire Gomes, testemunha da ação penal, também preservaram os relatos dos depoimentos que já haviam feito anteriormente e narrados na denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República).

A sessão não foi gravada, por decisão de Moraes. Foi a primeira vez que o ministro impôs a restrição. A filmagem foi feita em todas as audiências e depoimentos dos réus e testemunhas no processo. O único registro da acareação foi a ata.

Moraes alegou a necessidade de “evitar pressões indevidas, inclusive por meio de vazamentos pretéritos do que seria ou não perguntado aos corréus, que poderiam comprometer a instrução processual penal”.

Sem a gravação, as defesas dos réus divergiram sobre pontos específicos da acareação. O advogado José Luis Oliveira Lima, defensor de Braga Netto, disse que o general chamou Cid de mentiroso duas vezes.

“O general Braga Netto, em duas oportunidades, afirmou ao Mauro Cid, que permaneceu em todo o ato com a cabeça abaixada, e o chamou de mentiroso. Ele não retrucou quando teve a oportunidade de falar”, disse Oliveira Lima na saída do STF.

A versão foi contestada pela advogada Vânia Bitencourt, da defesa do delator. “Braga Netto não disse que Cid era mentiroso. Ele disse em uma ocasião que a informação sobre o repasse do dinheiro era uma mentira. O clima não ficou tenso em nenhum momento”, disse à Folha.

Em 19 de novembro de 2024, a PF prendeu cinco pessoas suspeitas de planejar o assassinato do então presidente eleito, Lula (PT), do vice Geraldo Alckmin (PSB), do ministro Alexandre de Moraes e do ex-ministro José Dirceu.

Dois dos presos eram amigos de Cid: os tenentes-coronéis Rafael Martins de Oliveira e Rodrigo Bezerra de Azevedo.

O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro disse que foi surpreendido pelas acusações contra os militares. Segundo Cid, foi por essa razão que ele se esqueceu de contar que Braga Netto teria entregue dinheiro ao militar suspeito de planejar o assassinato de Moraes no depoimento à PF.

“O réu colaborador afirmou que a Polícia Federal deu maior ênfase [em seu depoimento] à reunião ocorrida no dia 12/11 na casa do general Braga Netto. Indagado pelo advogado do general Braga Netto se não achou relevante informar à Polícia Federal sobre a questão do dinheiro, o réu colaborador reiterou que estava em choque”, diz a ata.

Cid falou pela primeira vez sobre o dinheiro na sacola de vinho em audiência com Moraes, no STF, em novembro de 2024. Na ocasião, o militar estava com o acordo de colaboração premiada em risco —a PF e a PGR concordavam com a anulação da delação.

Nesta terça, o tenente-coronel disse que não chegou a ver esse dinheiro, mas que estimou a quantia —sem citar qual— com base no peso da sacola, que estava lacrada.

Em depoimento anterior ao STF, Cid havia dito não saber precisar esse valor, mas afirmou que “com certeza” não seria os R$ 100 mil que, conforme seu relato, teria sido pedido por Rafael.

Braga Netto negou novamente ao Supremo nesta terça que tenha entregue dinheiro a Cid. Ele disse que o militar o procurou pedindo auxílio financeiro, orientou que procurasse a tesouraria do PL e não voltou a falar no assunto.

A controvérsia foi o ponto central da acareação entre o general Braga Netto e o tenente-coronel. A avaliação das defesas dos réus é de que o assunto não foi esclarecido com a manutenção das versões conflitantes.

Cid disse acreditar ter recebido o dinheiro em 9 de dezembro de 2022. “O réu colaborador disse não se recordar exatamente [onde recebeu o dinheiro], mas que pode ter sido em um dos três lugares onde transitava mais no Alvorada, ou seja: a garagem privativa, a sala da ajudância de ordens ou o estacionamento ao lado da piscina”, completou.

Segundo a ata da acareação, Cid disse que Braga Netto entregou uma sacola de vinho lacrada e o informou que a embalagem “continha dinheiro e que deveria ser direcionado para suprir aquele pedido que anteriormente fora feito e negado pelo PL”.

O tenente-coronel disse que guardou o dinheiro e providenciou a entrega dos recursos para Rafael de Oliveira —um dos suspeitos de liderar a equipe que colocou em prática o plano para assassinar Alexandre de Moraes.

O defensor de Braga Netto disse ver inconsistências na fala de Cid e falta de provas. “É um escândalo. Ele mentiu perante o STF mais uma vez”, disse Oliveira Lima.

Outra controvérsia que não foi esclarecida na acareação foi a reunião realizada na casa de Braga Netto, em 12 de novembro de 2022, entre os réus e dois militares acusados de serem o braço operacional da tentativa de golpe de Estado.

Cid diz que deixou o encontro antes para participar de uma reunião no Palácio da Alvorada. Ele ainda afirma que os militares teriam discutido questões operacionais diante da indignação com o resultado das eleições após o ajudante de ordens ter deixado a casa de Braga Netto.

O general negou as informações. Ele disse ao Supremo que recebeu os militares em sua casa porque gostava de Cid e atendia a pedidos para cumprimentos e fotos, mas negou conhecê-los.

“Indagado pelo Min Relator se conhecia o Cel de Oliveira, o general Braga Netto disse que jamais manteve qualquer relação com o mesmo, que até pode ter servido sob suas ordens, mas como interventor, sua relação era direta com os comandantes de batalhões”, afirmou.

Na segunda acareação desta terça, Freire Gomes afirmou ao STF que participou de reuniões com o ex-ministro Anderson Torres após as eleições de 2022 em que se discutia a possibilidade de decretação de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) diante da instabilidade social e dos riscos à segurança pública causados pelo fechamento de rodovias por caminhoneiros.

O general afirmou, porém, que nunca viu Torres levantar questões golpistas para reverter o resultado das eleições presidenciais. “A testemunha reitera o seu depoimento judicial onde afirmou que o réu Anderson Torres, na sua presença, jamais incentivou qualquer ato fora da legalidade”, disse.

O ex-comandante do Exército ainda reafirmou que o conteúdo da minuta golpista encontrada na casa de Torres era semelhante ao documento apresentado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) aos chefes das Forças Armadas em 7 de dezembro de 2022. Freire Gomes destacou que os documentos não são idênticos, mas levantavam os mesmos pontos.

Questionado pelo ministro Luiz Fux, o ex-chefe do Exército contou novamente ao Supremo que jamais deu ordem de prisão a Bolsonaro pelas discussões das minutas golpistas.

O general disse que somente foi “explicado ao então presidente da República Jair Bolsonaro que, por inexistir qualquer indício de fraude nas eleições, as medidas previstas nesse esboço de decreto, se fossem aplicadas, poderiam responsabilizar o então presidente da República, inclusive com a possibilidade do mesmo ser preso”.



Fonte: UOL

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