Escola quer mudar o mundo pela comida e ajudar produtores – 25/06/2025 – Mercado

Escola quer mudar o mundo pela comida e ajudar produtores – 25/06/2025 – Mercado


Dona Bibiu pensou que o filho havia enlouquecido. Joélho Caetano, então com 15 anos, havia ganhado de presente do padrinho uma viagem para Fortaleza. Na capital cearense, viu pela primeira vez uma sorveteria.

Encantado com as diferentes cores, queria produzi-los e vendê-los na comunidade quilombola em que vive com outras 449 famílias, em Conceição dos Caetanos. Mas tinha de ser com gostos originais, que valorizassem os produtos da sua terra. Ele nem tinha ideia de como fazer aquilo. Começou a aprender com vídeos no YouTube.

Sete anos depois, ele fabrica 120 quilos por mês do sorvete de farinhada, nome genérico que deu à receita que criou. O sabor é resultado da mistura de ingredientes abundantes no quilombo: a base de farinha de mandioca, manteiga da terra, couve e rapadura. Toda a produção é vendida pela rede de Bellucci Gelateria, na capital cearense.

“Quero conseguir aprimorar a produção com uma pequena indústria e colocar gente da minha comunidade para trabalhar. Hoje em dia, acontece de as pessoas procurarem para comprar e não ter mais. A produção é totalmente artesanal”, afirma Caetano.

O projeto só se tornou realidade porque ele fez parte da Escola de Gastronomia Social Ives Dias Branco, administrada pela ONG Instituto Dragão do Mar e com dotação orçamentária do governo do Ceará. A proposta é desenvolver a cultura alimentar do estado e buscar parceiros que possam colocar as ideias no mercado.

“Nosso lema é mudar o mundo pela comida”, diz a superintendente da escola, Selene Penaforte.

A quantidade de inscritos é sempre muito maior que a de vagas. Em 2024, para 150 lugares, foram 1.500 interessados. Em anos anteriores, o número chegou a 5.000.

“A proposta é dar visibilidade às histórias de vida. A escola nasceu do empenho para a criação de uma parceria público-privada para formação e pesquisa em gastronomia. Em quatro meses, eles trabalham com insumos da diversidade pensando nos saberes das práticas alimentares do Ceará”, diz Vanessa Moreira, coordenadora de cultura alimentar.

Há também o interesse em expandir sem desviar dos ideais dos seus criadores. Caetano deseja ampliar sua produção, fabricar novos sabores originais (ou “diferentões”, como fala), mas não pensa em sair da sua comunidade. Cada quilo do sorvete de farinhada é vendido por R$ 55 reais (R$ 6.600 pelos 120 quilos).

Para Rojane Alves dos Santos, 32, a mudança de mundo é fazer a juventude permanecer na lavoura e não se mudar para cidades maiores. Isso não significa pegar na enxada, mas, sim, fazer uso de recursos tecnológicos para produção de alimentos que combatam as mudanças climáticas.

Moradora no assentamento Maceió, no sítio Coqueiro, em Itapipoca (cerca de 150 km de Fortaleza), ela usou as ferramentas da escola de gastronomia para desenvolver e comercializar alimentos com o que há de mais abundante na região: o coco.

O óleo de coco desenvolvido por ela ficou com o terceiro lugar na categoria sustentabilidade na Natural Tech, feira realizada em São Paulo no início deste mês. Ficou à frente de multinacionais do setor de alimentos.

“Óleo do coco é uma prática feita pelos antepassados. A gente quer que as pessoas tenham incentivos para ficar no campo e ter sucesso [também financeiro] com um produto fabricado de forma natural. É um estímulo. Quando começamos a pesquisa, levava dois dias para o óleo ficar pronto. Hoje são menos de 24 horas. Chama a atenção pela qualidade. Sou suspeita para falar, mas é um produto muito apresentável e com história”, afirma Rojane.

São 50 litros produzidos por mês e há potencial para crescer, garante. As garrafas de óleo variam de 100 ml a 1 litro e o preço vai de R$ 15 a R$ 75.

“No momento, estouramos. Estamos esgotados”, comemora. A venda é por meio da conta do Instagram @oleodecocoagroecologico.

A ampliação somente pode ser feita mediante investimento, exatamente o que procura Vicente Monteiro da Silva Filho, 45. Em 2019, ele criou, apenas para comemorar o término no período da escola de gastronomia, um espumante de caju. Batizou da Cauína. Tornou-se um hit. Com a ajuda de parcerias da instituição, começou o processo de engarrafamento e distribuição.

“Eu olhava as bebidas nas prateleiras e tinha uísque, gim, vodca… Nenhuma com insumos brasileiros. A bebida tradicional da minha região é a cajuína. Compreendi que poderia fazer o espumante com o caju, algo que venha dos nossos povos originários e que possa ser vendida em supermercados e restaurantes”, afirma.

Ele começou a mandar garrafas para alguns lugares em São Paulo. Já foi vendida em Paris. Hoje a distribuição está restrita, por causa do orçamento.

No ano passado, ele tinha planos de produzir 5.000 garrafas. Foram 3.500, que logo estavam esgotadas. O ideal para este ano é chegar a 10 mil.

“A gente tem possibilidade para chegar a 100 mil garrafas, mas sabe que é difícil. É um investimento monumental”, finaliza.

Mas é um exemplo de como produtos locais podem ser aproveitados para outra função comercial. Grande parte do caju é desperdiçada porque a prioridade é retirar a castanha. A Cauína, assim como o óleo de coco e o sorvete de farinhada, cumpre o papel imaginado de, segundo as palavras de Selene, começar a mudar o mundo pelo alimento.



Fonte: UOL

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