A ilusão de dobrar os ganhos na renda fixa – 11/06/2025 – De Grão em Grão
Sabe aquela sensação de abrir o guarda-chuva só porque viu nuvens escuras no dia anterior — e acabar passando calor no sol do meio-dia? Investir tentando prever os movimentos dos juros pode parecer algo lógico, mas muitas vezes funciona assim: a previsão vem do que já passou, e o futuro decide seguir outro caminho.
Em 2023, era difícil abrir o Instagram sem topar com o tal “Professor X”, um sujeito que prometia dobrar a rentabilidade da renda fixa investindo do “jeito certo” no Tesouro Direto. O vídeo era convincente, a promessa sedutora — e a frustração veio logo depois.
O “Professor X” desapareceu, mas muitos alunos ficaram com cicatrizes. A estratégia até parece fazer sentido: comprar títulos longos apostando na queda dos juros, o que geraria lucro com a valorização antecipada, a tal marcação a mercado. Mas o plano dependia de uma única coisa: o mercado se comportar como no passado.
Só que os juros subiram. E quem aplicou naquela época, até hoje amarga prejuízos no extrato — ou, no mínimo, desempenho bem abaixo do CDI.
Me impressiona o “Professor X” ter sumido, pois se ele realmente acreditava em sua estratégia, supostamente agora seria até melhor para implementar, pois os juros estão altos. Talvez ele não queira prestar contas com quem entrou no passado.
Lembro de um colega me dizendo: “Mas se não der certo, eu não perco. Só deixo de ganhar.” Parece razoável — até o momento em que o rendimento decepciona. Nenhum cliente meu jamais comemorou ter ganhado menos. Quando a aposta foi decisão própria, sempre se tenta culpar alguém, ou algo.
Para deixar mais claro: imagine que alguém compra o título Tesouro IPCA+ 2050 pagando 7% ao ano acima da inflação. Se a taxa sobe para 7,5%, o preço do título pode cair mais de 10%. Quem precisar vender antes do vencimento ou não suportar a oscilação negativa, transforma o sonho de dobrar os ganhos em uma perda real.
No fundo, investir apenas esperando lucro com marcação a mercado é o mesmo que operar a curva de juros — algo que os gestores de fundos multimercados fazem. Entretanto, você bem sabe que eles não têm acertado. Curiosamente, enquanto somos intolerantes com esses fundos quando rendem abaixo do CDI, costumamos ser muito mais condescendentes quando a aposta vem da nossa própria intuição.
A lógica não é diferente de um trade de ações. Comprar na baixa e vender na alta. Simples. O problema é que o mercado muda, a tal “alta” pode demorar, e o custo de oportunidade — o tempo sem retorno — destrói o ganho potencial.
Prefiro pensar em renda fixa de maneira mais simples: o título precisa ser bom até o vencimento. Se no meio do caminho surgir algo melhor, troco. Mas entrar já esperando uma virada de mercado é assumir um risco que pode cobrar caro em desconforto, ansiedade e decisões ruins.
Na semana passada escrevi se seria uma boa hora para comprar título atrelado ao IPCA de longo prazo. Acho o retorno do CDI hoje confortável o suficiente para não buscar desconforto. Mas não concentraria tudo num só indexador — há sempre o risco da inflação. E quem já levou um susto com a previsão do tempo, sabe bem como é.
Michael Viriato é assessor de investimentos e sócio fundador da Casa do Investidor.
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