Camila Achutti vence Prêmio Todas na categoria capacitação – 08/12/2025 – Tec
No dia 8 de março de 2010, coincidentemente, data em que é celebrado o Dia Internacional da Mulher, Camila Achutti chegou à USP para o primeiro dia de aula. Quando entrou na disciplina de introdução aos algoritmos, a caloura olhou ao redor e notou que era a única menina na sala.
Voltou para casa incomodada e começou a pesquisar sobre a presença feminina na área. Diz ter encontrado fotos antigas do Instituto de Matemática e Estatística da USP, que mostravam a primeira turma de ciência da computação com 70% de mulheres —ou seja, em cerca de 40 anos, esse número caíra para menos de 4%.
“Foi assim que tudo começou. Do alto dos meus 18 anos, o meu primeiro empreendimento foi um blog”, diz. Ela conta que passou a escrever sobre as realizações femininas na área, e o blog Mulheres na Computação cresceu, gerando uma comunidade.
Hoje, Achutti preside a Mastertech, escola de habilidades digitais e inovação que fundou em 2015, depois de voltar de um período de estágio na Califórnia (EUA), onde decidiu abraçar seu sonho de ter uma escola de tecnologia e viver dos projetos de educação. A instituição, que já atendeu mais de 15 mil alunos —a maior parte funcionários de grandes companhias—, aborda temas como inovação, programação, tecnologias emergentes e inteligência artificial.
Ela atua também, entre outras iniciativas, no W20 Brazil, grupo oficial de engajamento do G20 para empoderamento econômico de mulheres e equidade de gênero, e é presidente da Somas, instituição dedicada a entender como a educação em tecnologia pode impactar políticas públicas, fundada em 2019.
A Somas está há mais de cinco anos atuando no ensino de programação para internos da Fundação Casa e realizando a inclusão produtiva com tecnologia para imigrantes e refugiados, a maioria mulheres, diz Achutti. “Foram mais de mil pessoas diretamente atendidas, 600 só na Fundação Casa de São Paulo”, afirma.
“Tem uma questão de pertencimento. A tecnologia acabou se escondendo em jargões e palavras em inglês. Isso acaba afastando as pessoas. É preciso alfabetizar digitalmente”, diz Achutti, que venceu o Prêmio Todas 2 Folha/Alandar na categoria Capacitação e formação em tecnologia.
Quem a inspirou a entrar nesse mundo foi o pai. Ele trabalhava ditando código em Cobol pelo telefone —ela, ainda criança, pensava se tratar de uma língua alienígena capaz de salvar o mundo. O pai era visto como um herói, que pertencia a um clã incrível do qual ela queria fazer parte.
Acostumada à referência que tinha em casa, Achutti não sabia que a tecnologia era um ambiente cercado de estereótipos masculinos.
“Em casa, aquilo era lúdico, era acessível. Eu só fui sacar que era um desafio quando cheguei na graduação e me vi como única menina da sala. Cheguei querendo trabalhar com computador, mas não sabia o que era programação. Não recai sobre as meninas a necessidade de fazer um [curso] técnico. Os meninos que estavam lá já tinham feito técnico, já reconheciam essa possibilidade. [Para eles,] tem um estereótipo de Bill Gates e [Mark] Zuckerberg, de que se aprende a programar quando criança”, diz.
Eu só fui sacar que era um desafio quando cheguei na graduação e me vi como única menina da sala. Cheguei querendo trabalhar com computador, mas não sabia o que era programação. Não recai sobre as meninas a necessidade de fazer um [curso] técnico. Os meninos que estavam lá já tinham feito técnico, já reconheciam essa possibilidade
No mercado ela também enfrentou estranhamento por ser mulher. “Quando eu já era CTO [diretora de tecnologia] da Mastertech, as pessoas ainda se surpreendiam ao me ver chegar nas reuniões. Existe um assédio moral pela falta de reconhecimento”, diz.
Ela gosta de lembrar que o primeiro ser humano considerado um programador foi uma mulher, a matemática Ada Lovelace. Inspirada nas mulheres que mudaram a história da tecnologia, Achutti quer incentivar mais meninas a entenderem que a tecnologia não precisa ter distinção de gênero e combater a percepção dessa carreira como um ambiente majoritariamente masculino.
Aos 33 anos e com uma trajetória bem-sucedida, ela é referência para muitas meninas que não tiveram, como ela, o exemplo do pai para revelar o mundo da tecnologia. Hoje mãe de duas filhas, Achutti faz uma reflexão, dentro de casa, sobre os impactos da tecnologia no cotidiano e no aprendizado humano.
“Eu tive um choque quando minha filha começou a falar e perguntou para a Alexa, e não para mim, como as baleias dormem”, diz ela, descrevendo a cena que se viveu recentemente.
Aquele momento, ela acrescenta, gerou uma reflexão sobre como a tecnologia deixa de ser uma ferramenta e passa a ser ambiente na vida das crianças, levantando questionamentos sobre a mediação humana na educação e a transmissão de conhecimento dos pais para os filhos. E concluiu que, com o tempo, o papel dos pais como principal fonte de conhecimento tem se tornado inviável.
“As crianças, hoje, crescem com o ChatGPT e a Alexa no ambiente delas. Eu não tive que ensinar a minha filha a usar. É diferente do que acontecia na minha época, quando era preciso aprender a usar o computador. Vamos mediar algo que já está colocado como ambiente”, diz.
Já que será impossível competir com a tecnologia nesse quesito, Achutti exalta o papel central dos pais para fornecer mediação e afeto, elementos que as máquinas não são capazes de alcançar.
“Sempre digo: ‘filha, eu te amo, a mamãe está aqui e está muito feliz com você’. Digo o que estou sentindo, dou um abraço”, afirma. Segundo Achutti, é crucial fazer a distinção clara de que só os humanos têm amor e que, embora seja possível chamar a tecnologia por um nome próprio, ela não vai oferecer afeto.
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