David Sacks beneficia a si mesmo e aos amigos nos EUA – 03/12/2025 – Tec
Em julho, David Sacks, um dos principais responsáveis por tecnologia no governo de Donald Trump, nos Estados Unidos, sorriu ao subir ao palco de um auditório neoclássico a poucos quarteirões da Casa Branca. Ele havia reunido altos funcionários do governo e executivos do Vale do Silício para um fórum sobre o crescente mercado de inteligência artificial.
O convidado de honra era o presidente Donald Trump, que apresentou um “Plano de Ação para IA” elaborado em parte por Sacks, um veterano investidor de capital de risco. Em um discurso de quase uma hora, Trump declarou que a IA era “uma das revoluções tecnológicas mais importantes da história do mundo”. Em seguida, pegou a caneta e assinou ordens executivas para acelerar o setor.
Praticamente todos os presentes no auditório —que incluía os CEOs das fabricantes de chips Nvidia e AMD, além de amigos, colegas e parceiros de negócios de Sacks— estavam prestes a lucrar com as diretrizes de Trump. Entre os beneficiados estava o próprio Sacks.
Desde janeiro, Sacks, 53, ocupa um dos cargos paralelos mais vantajosos no governo federal, influenciando políticas para o Vale do Silício em Washington enquanto continua trabalhando na Califórnia como investidor.
Sacks ofereceu acesso surpreendente à Casa Branca para seus colegas da indústria de tecnologia e pressionou pela eliminação de barreiras regulatórias para empresas de IA. Isso colocou gigantes como a Nvidia em posição de lucrar até US$ 200 bilhões em novas vendas.
Ele recomendou políticas de IA que às vezes contrariaram orientações de segurança nacional, preocupando colegas na Casa Branca e levantando dúvidas sobre suas prioridades.
Sacks se colocou em posição de se beneficiar pessoalmente. Ele tem 708 investimentos em tecnologia, incluindo pelo menos 449 participações em empresas ligadas à inteligência artificial que poderiam ser beneficiadas direta ou indiretamente por suas políticas, segundo análise do New York Times de suas declarações financeiras.
Seus documentos públicos classificam 438 desses investimentos como empresas de software ou hardware, embora muitas se promovam como companhias de IA, ofereçam serviços de IA ou tenham “IA” no nome.
Sacks aumentou a visibilidade de seu podcast semanal, “All-In”, por meio de seu cargo no governo, e ampliou seus negócios.
Nenhum evento ilustra melhor as complexidades éticas de Sacks —e como seus interesses entrelaçados se unem— do que a cúpula de IA de julho. Inicialmente, Sacks planejava que o fórum fosse organizado pelo “All-In”, que ele comanda com outros investidores de tecnologia. O podcast pediu que potenciais patrocinadores pagassem US$ 1 milhão cada para ter acesso a uma recepção privada e a outros eventos da cúpula, “reunindo o presidente Donald Trump e os principais inovadores em IA”, segundo uma proposta vista pelo Times.
O plano preocupou tanto alguns funcionários que Susie Wiles, chefe de gabinete da Casa Branca, interveio para impedir que o “All-In” fosse o anfitrião exclusivo do fórum, segundo duas pessoas com conhecimento do episódio.
Steve Bannon, ex-assessor de Trump e crítico de bilionários do Vale do Silício, disse que Sacks era um exemplo clássico de conflitos éticos em uma administração em que “os tech bros estão fora de controle”.
“Eles estão levando a Casa Branca pela estrada da perdição com essa ascendente oligarquia tecnocrática”, afirmou.
Sacks pode atuar no governo enquanto trabalha no setor privado porque é um “funcionário especial do governo”, título concedido normalmente a especialistas que prestam consultoria temporária. Ele não recebe salário por seu trabalho na administração.
Em março, Sacks recebeu duas permissões formais de ética da Casa Branca, que afirmavam que ele havia vendido ou estava vendendo a maior parte de seus ativos em criptomoedas e IA. Seus investimentos remanescentes, diziam os documentos, “não eram tão substanciais” a ponto de influenciar seu serviço público.
Mas Sacks se destaca entre os funcionários especiais do governo por ter centenas de investimentos em tecnologia, que podem se beneficiar das políticas que ele influencia. Suas declarações éticas públicas, baseadas em autodeclaração, não informam o valor dessas participações remanescentes em empresas de cripto e IA. Também não dizem quando ele vendeu os ativos que afirmou ter se desfeito, dificultando avaliar se seu trabalho no governo lhe rendeu lucros.
Uma porta-voz da Casa Branca, Liz Huston, disse que Sacks abordou potenciais conflitos. Seus conhecimentos foram “um ativo inestimável para a agenda do presidente Trump de consolidar a dominância tecnológica americana”, afirmou.
Jessica Hoffman, porta-voz de Sacks, disse que “essa narrativa de conflito de interesse é falsa”. Sacks cumpriu todas as regras dos funcionários especiais e o Escritório de Ética do Governo determinou que ele deveria vender investimentos de certos tipos de empresa de IA, mas não de outras, disse. Seu trabalho no governo lhe custou, não o beneficiou, acrescentou.
Em um jantar da Casa Branca com executivos de tecnologia em setembro, Sacks disse estar grato por trabalhar tanto em tecnologia quanto no governo. Foi “uma grande honra ter um pé em cada um desses mundos”, afirmou.
‘A CASA DE DAVID’
A trajetória de Sacks até a Casa Branca começou no Vale do Silício.
Ele chegou ao coração da tecnologia em 1990 como estudante de graduação em Stanford, onde conheceu colegas como Peter Thiel. Mais tarde, juntou-se a Thiel em uma startup que se tornou o PayPal, ao lado de Elon Musk.
Depois que o eBay comprou o PayPal por US$ 1,5 bilhão em 2002, os três passaram a investir uns nos outros. Sacks ajudou a financiar a SpaceX, de Musk, bem como a Palantir, empresa de análise de dados cofundada por Thiel. Em troca, Thiel apoiou o Yammer, startup de comunicações internas fundada por Sacks e vendida à Microsoft em 2012 por US$ 1,2 bilhão.
Em 2017, Sacks criou a Craft Ventures, que investiu em centenas de startups. Ele iniciou o podcast “All-In” três anos depois, com os amigos e investidores Jason Calacanis, Chamath Palihapitiya e David Friedberg.
Sacks se tornou uma figura importante na política republicana em 2022, quando doou US$ 1 milhão a um super PAC que apoiava a candidatura ao Senado de JD Vance, ex-investidor de tecnologia que trabalhou para Thiel.
No ano passado, Sacks organizou um evento que arrecadou US$ 12 milhões para Trump em sua mansão em São Francisco.
“Eu amo a casa do David”, Trump disse no “All-In” duas semanas depois. “Que casa.”
Após a eleição, a equipe de Trump pediu que Sacks integrasse o governo. Ele aceitou, desde que pudesse continuar trabalhando na Craft — e conseguiu o que queria.
ALIANDO-SE À NVIDIA
Sacks abriu as portas da Casa Branca para líderes do Vale do Silício. Entre os visitantes mais proeminentes estava Jensen Huang, CEO da Nvidia.
Sacks e Huang, que não se conheciam antes de Sacks assumir o cargo, formaram uma ligação estreita na primavera, disseram três pessoas familiarizadas com os dois.
Ambos tinham motivo para isso. Huang, 62, queria autorização do governo para vender os cobiçados chips de IA da Nvidia ao redor do mundo, apesar de preocupações de segurança de que os componentes pudessem fortalecer a economia e o exército da China. Huang argumentou que restringir exportações empurraria as empresas chinesas a desenvolver alternativas ainda mais poderosas —e que espalhar a tecnologia da Nvidia ampliaria o setor, beneficiando os investimentos em IA pertencentes a Sacks e seus amigos.
Em reuniões na Casa Branca, Sacks ecoou as ideias de Huang de que a melhor forma de vencer a China seria inundar o mundo com tecnologia americana. Sacks trabalhou para eliminar restrições do governo de Joe Biden às vendas de chips de IA para outros países. Ele também se opôs a regras que dificultariam que empresas estrangeiras comprassem chips americanos para data centers internacionais, segundo cinco pessoas com conhecimento das discussões na Casa Branca.
Sem essas restrições, Sacks voou ao Oriente Médio em maio e fechou um acordo para enviar 500 mil chips de IA americanos —a maioria da Nvidia— aos Emirados Árabes Unidos. O volume alarmou alguns funcionários da Casa Branca, que temiam que a China, aliada dos Emirados, tivesse acesso à tecnologia, disseram essas pessoas.
Mas o acordo foi uma vitória para a Nvidia. Analistas estimaram que a empresa poderia faturar até US$ 200 bilhões com as vendas.
O PORTFÓLIO DE SACKS
A Casa Branca elogiou Sacks, dizendo que ele minimizou seus conflitos financeiros de interesse.
As permissões de ética que Sacks recebeu afirmavam que ele e a Craft Ventures haviam vendido mais de US$ 200 milhões em posições de criptomoedas, incluindo bitcoin, e estavam se desfazendo de participações em empresas relacionadas à IA como Meta, Amazon e xAI.
Sacks havia começado ou concluído a venda de “mais de 99%” de suas “participações em empresas que poderiam potencialmente gerar preocupação com conflito de interesse”, disse a Casa Branca.
Huston, a porta-voz, disse que Sacks “foi impedido de participar de qualquer assunto que pudesse afetar seus interesses financeiros até que conseguisse se desfazer de participações conflitantes ou recebesse uma permissão”.
Mas as dispensas fornecem uma imagem incompleta de sua riqueza e não dizem quando ele vendeu suas participações em Meta, Amazon e outras empresas.
O que está claro é que Sacks, diretamente ou por meio da Craft, manteve 20 investimentos em cripto e 449 investimentos relacionados à IA, segundo a análise do Times.
Dos investimentos ligados à IA, 11 foram designados em uma das permissões como “Interesses em IA”. Os outros 438 foram classificados como empresas de software ou hardware, embora promovam produtos ou serviços de IA em seus sites. Em um exemplo, a permissão classificou a Palantir como “software como serviço”, enquanto o site da empresa diz que fornece “automação impulsionada por IA para todas as decisões”. Quarenta e uma das empresas têm “AI” no nome, como Resemble.AI e CrewAI.
Em uma das permissões, a Casa Branca afirmou que muitas das empresas de software “não usam atualmente aplicações de IA em seus negócios principais de maneira significativa”, mas acrescentou que “muitas provavelmente o farão em algum ponto no futuro”.
Políticas que Sacks apoiou na Casa Branca prepararam o terreno para que seus investimentos prosperassem.
O Plano de Ação para IA promoveu a produção doméstica de drones autônomos e outras invenções de IA para o Pentágono. Sacks tem participações em startups de tecnologia de defesa como Anduril, Firestorm Labs e Swarm Aero, que produzem drones e outros equipamentos, segundo seus registros. Em setembro, a Anduril anunciou um contrato de US$ 159 milhões com o Exército dos EUA para produzir um novo tipo de óculos de visão noturna com IA.
Shannon Prior, porta-voz da Anduril, disse que a empresa já mantinha relação com o Exército antes do Plano de Ação e que recebeu o contrato porque seu fundador, Palmer Luckey, é “o melhor designer de headsets de realidade virtual do mundo”. Hoffman afirmou que era uma “ideia óbvia” incluir o uso militar de IA no plano.
Nesta primavera, Sacks também apoiou um projeto de lei chamado Genius Act para regular stablecoins, um tipo de criptomoeda projetada para manter preço estável de US$ 1. Sacks promoveu a legislação na CNBC e trabalhou para aprová-la no Congresso.
Após a aprovação em julho, Sacks classificou o projeto como “histórico” e “marcante” no “All-In”. A medida deve expandir significativamente o setor de stablecoins.
Um dos investimentos da Craft em cripto é a BitGo, empresa que trabalha com emissores de stablecoins. A BitGo comemorou a aprovação do Genius Act em seu site e rapidamente capitalizou, declarando que seu serviço “se encaixa perfeitamente” nas novas diretrizes. “A espera acabou”, afirmou o site.
Em setembro, a BitGo pediu registro para abrir capital. A Craft possui 7,8% da empresa, participação que valeria mais de US$ 130 milhões na avaliação de 2023.
A BitGo não comentou. Hoffman afirmou que a aprovação do Genius Act “não trouxe benefício específico para a BitGo”.
Cecilia Kang
, Tripp Mickle
, Ryan Mac
, David Yaffe-Bellany
e Theodore Schleifer
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