Já escrevi sobre vários golpes, mas este quase me pegou – 19/09/2025 – Tec
“Por favor, aguarde”, disse o atendente, “enquanto transfiro você para meu supervisor.” Era uma quarta-feira de agosto, pouco antes do almoço. A ligação vinha de um número 212 —que, para um nova-iorquino, pode ser quase qualquer coisa: a escola, a farmácia, o cara do telhado. Então atendi.
O atendente chamou o meu nome e disse, num tom controlado, que era do Chase Bank e queria verificar transferências feitas da minha conta para alguém no Texas. Número errado, respondi. Não tenho conta no Chase.
“Mas uma foi aberta recentemente em seu nome”, disse ele, “com duas transferências via Zelle [plataforma que permite enviar dinheiro pelo celular]. E há minutos alguém tentou transferir esses fundos —US$ 2.100— para San Antonio.”
A história parecia plausível. Sou um dos 150 milhões de usuários do Zelle. Mas meu radar de golpes estava ligado. “Como sei que isso não é golpe?”, perguntei.
Resposta rápida: “Veja o número que aparece na tela e pesquise no Google. Agora procure a agência do Chase na Times Square, número 3.” Fiz isso: o número do telefone era o mesmo.
Ele ainda acrescentou: “Aqui no Chase, nunca pediremos suas senhas.” Pelo contrário, me passou mais informações: dois “códigos de cancelamento” e um número de atendimento com quatro letras e 10 dígitos.
Foi então que ofereceu me transferir para seu supervisor. Aquela frase familiar, ouvida em tantas centrais de atendimento, dava um ar de competência corporativa.
A linha ficou muda por alguns segundos. Outro homem atendeu, com voz autoritária: “Meu nome é Mike Wallace.” Pediu o número do atendimento, que repeti. “Sim, sim, estou vendo”, disse, como se olhasse para uma tela. Repetiu a história —conta nova, transferências, Texas— e sugeriu reverter a operação.
Confesso: nessa altura, ele tinha minha total atenção.
Fraudes digitais crescem sem parar. Em 2024 foram registrados US$ 16,6 bilhões em perdas, segundo o FBI. Entre criptomoedas e ransomware, os golpes mais comuns ainda são phishing e spoofing —clonagem de números reais.
O “supervisor” pediu que eu abrisse o aplicativo do Zelle. Onde dizia “Digite um valor”, instruiu que eu colocasse os US$ 2.100. No campo de destinatário, pediu que digitasse apenas os dez dígitos do “número de atendimento”, sem as letras. Fiz, mas a desconfiança voltou.
“Sr. Wallace”, disse, quase me desculpando, “esse número de atendimento parece um número de telefone, e vou mandar US$ 2.100 para ele.”
Ele respondeu: não, porque o próximo passo é importante. No campo “Qual é o motivo?”, onde você coloca algo como “despesa com babá”, ele pediu que eu digitasse um código especial que sinalizaria à equipe para reverter a transação.
O código tinha 19 caracteres. Ele o leu lentamente, com direito a jargão militar: “zero, zero, Charlie, X-ray, nove, oito…”
Quando terminei de digitar e repetir o código, ele disse: “Agora aperte enviar.”
Mas uma palavra no campo “Qual é o motivo?” me incomodava. Ele dizia “Opcional”.
Tive uma ideia. Perguntei se ele estava ligando da Times Square. Sim, ele disse.
“Então vou até aí, resolvemos juntos.”
Até lá já será tarde, respondeu. “Ligo de volta”, disse —e desliguei.
Telefonei para meu banco. Nenhuma atividade no Zelle.
Olhei o histórico da chamada: 16 minutos. Foi o tempo que me tomaram.
Em décadas como repórter policial, já cobri inúmeros golpes —de médiuns, namoros falsos, imóveis e até a obscura “fraude da babá”. Eu deveria identificar um golpe em 16 segundos, não em 16 minutos.
Por que este parecia tão convincente?
Pesquisando “Chase Zelle scam”, encontrei relatos idênticos.
Conversei com Benjamin Chance, da Early Warning Services, empresa que opera o Zelle. Ele disse que golpes de impostores aumentaram desde a pandemia e explicou os fatores:
- Urgência. “Se você é uma mãe levando os filhos para o treino, pode estar com pressa e cair.”
- O supervisor. Dá sensação de legitimidade. Pode ser só uma pessoa trocando a voz.
- Excesso de informação. Números de caso, códigos de cancelamento, sequências intermináveis. Isso cria um efeito de embalar a vítima, transformando-a de pensadora crítica em executora de tarefas.
Ele recomenda desconfiar de chamadas de números desconhecidos. Se alegam ser do banco, desligue e ligue para o número no cartão. E, se atender, segundo Paul Roberts, agente responsável pelo escritório do FBI em Nova York: “Respire fundo, pense no que está acontecendo e no motivo da ligação.”
No fim, eu tinha conseguido evitar o golpe com relativa facilidade. Mas aquilo continuava me incomodando, e eu sabia que precisava dar mais um passo —ir até o endereço citado, no coração da Times Square, que já foi a capital nacional dos velhos golpes de rua. O banco sabia o que estava acontecendo, com ligações falsas aparentemente partindo de seu escritório?
Lá dentro, havia caixas eletrônicos no pequeno saguão do Chase e uma escada rolante que levava a um andar de baias e gerentes em salas envidraçadas. “Estou procurando por um Mike Wallace”, disse a uma funcionária.
“Não existe ninguém com esse nome aqui”, respondeu. Comecei a descrever minha ligação, e ela sorriu, como quem já conhecia bem a história. A transferência via Zelle, o supervisor —ela já tinha ouvido tudo aquilo muitas vezes, de pessoas que ligavam para a agência em busca de confirmação, contou.
“Alguém já tinha dito que chegou a enviar o dinheiro, como os golpistas pediam?”, perguntei.
Ela pensou por um instante e respondeu: “Talvez duas pessoas.”
Por fim, em busca de mais vítimas, recorri ao Reddit e escrevi um post em um fórum de usuários trocando relatos sobre esse golpe, convidando interessados a compartilhar suas histórias.
Minha publicação foi rejeitada pelos moderadores.
Descobri que procurar vítimas de fraude, afinal, é um movimento clássico no início de um novo golpe.
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